Presentes de Reis Magos

O. HENRY




  O. Henry (1862-1910) era o pseudónimo de William Sydney Porter, um dos maiores contistas americanos do século XIX e um dos autores mais populares do seu tempo. Nasceu na Carolina do Norte numa família culta e abastada. Aos três anos de idade e após a morte da mãe por tuberculose, o pai, médico, decidiu que se deviam mudar para a casa da avó paterna. William começou por frequentar a escola de uma tia e aos 15 anos começou a frequentar o Liceu que concluiu com a tia por tutora. Em 1879 empregou-se com aprendiz de farmacêutico/boticário na drogaria do seu tio tendo aos 19 anos obtido a licença de farmacêutico.
  Em 1882 foi para o Texas, alguma sintomatologia de tuberculose e a ideia que uma mudança de clima seria benéfica contribuíram para essa decisão. Casou e empregou-se como caixa num banco, começando ao mesmo tempo a escrever. Comprou um jornal, The Rolling Stone, que fechou pouco depois. Porter foi acusado de desfalque no banco e fugiu para as Honduras, de onde regressou passados três anos devido ao estado terminal da sua esposa que tinha permanecido no Texas. Julgado e sentenciado, cumpriu pena durante quatro anos numa penitenciária do Ohio, tendo começado a escrever sob o pseudônimo de O. Henry. Saído da prisão, passou a viver em Nova Iorque em estado de reclusão quase absoluta, embora fosse extremamente popular, com o terror de ser reconhecido como William Sydney Porter, devido aos anos passados na prisão. Acabou por morrer alcoólico e na miséria. O. Henry foi um autor original e fecundo, com um ritmo de escrita tal que lhe é atribuído praticamente um novo conto por semana.
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  Apresentação da Obra

Presentes de Reis Magos
   
O. Henry
Adaptação de Paulo Sérgio de Vasconcellos 

[I]
Um dólar e oitenta e sete centavos. Era tudo. E sessenta centavos eram em pennies.
Não havia certamente nada a fazer senão cair na pequena poltrona remendada e chorar. Assim fez Della.
Enquanto a dona da casa está chorando, dê uma olhada na casa. Um pequeno apartamento mobiliado por oito dólares semanais. Era bem pobre. Na entrada, uma caixa de correspondência na qual não penetrava nenhuma carta e uma campainha que nenhum mortal poderia fazer soar.
Della terminou de chorar e se pôs a passar pó-de-arroz no rosto. Parou perto da janela e viu lá fora, indiferente, um gato cinza andar por uma cerca cinza num quintal cinza. Amanhã era o dia de Natal, e ela só tinha um dólar e oitenta e sete centavos para comprar um presente para Jim. Tinha poupado cada centavo que podia durantes meses, com tal resultado. Vinte dólares por semana não duram muito. As despesas tinham sido maiores do que ela calculara. Sempre são. Somente um dólar e oitenta e sete centavos para comprar um presente para Jim. O seu Jim. Passara muitas horas felizes planejando comprar algo bonito para o marido. Algo fino e raro e de prata maciça — algo que fosse digno da honra depertencer a Jim.
Havia um espelho alto e estreito entre as janelas do quarto. De repente, Della parou diante dele. Seus olhos brilhavam, mas sua face perdera a cor em vinte segundos. Rapidamente, ela soltou seus cabelos e deixou-os cair em todo o seu comprimento.
No momento, havia dois bens de que ela e o marido se orgulhavam. Um era o relógio de ouro de Jim, que tinha sido de seu pai e de seu avô. O outro era o cabelo de Della. Agora, então, o belo cabelo de Della lhe caía pelo corpo, ondulado e brilhante como uma cascata de águas castanhas. Chegava abaixo de seus joelhos e quase a cobria como um vestido. E então ela o ajeitou de novo, nervosa e rapidamente. Enquanto hesitava por um momento e permanecia imóvel, uma lágrima ou duas respingaram no surrado carpete vermelho.
Pôs sua velha blusa marrom, seu velho chapéu marrom. Com o brilho cintilante ainda em seus olhos, precipitou-se para a porta e, descendo as escadas, para a rua.
Onde parou, lia-se na tabuleta: “Madame Sofronie. Cabelo de todos os tipos”. Um lance de escadas Della subiu correndo, e chegou arfando diante da senhora.
“Quer comprar meu cabelo?”, perguntou Della.
“Eu compro cabelo”, disse Madame. “Tire o chapéu, que eu
vou dar uma olhada nele”.
Caiu ondulante a cascata castanha.
“Vinte dólares”, disse Madame, passando pela massa volumosa sua mão experiente.
“Dê-me logo”, disse Della.
[II]
Oh, e as duas horas seguintes voaram. Della vasculhava as lojas à procura do presente de Jim.
Encontrou, por fim. Certamente fora feito para Jim e para ninguém mais. Não havia nada parecido em nenhuma outra loja, e ela havia revirado todas de ponta a ponta. Era uma corrente de platina para relógio, simples e sóbria, que valia por si mesma e não por algum adorno supérfluo — como devem ser as coisas boas. Era digna do Relógio. Assim que a viu, soube que deveria ser de Jim.
Era como ele. Simplicidade e valor — a descrição se aplicava a ambos. Vinte e um dólares pediram por ele, e ela correu para casa levando os oitenta e sete centavos de troco.
 Quando Della chegou em sua casa, sua agitação foi dando lugar à prudência e ao bom-senso. Pôs-se a frisar
“Se Jim não me matar”, disse para si mesma, “antes de dar uma segunda olhada em mim, dirá que eu pareço uma menina. Mas o que eu podia fazer — oh, o que eu podia fazer com um dólar eoitenta e sete centavos!”
Às sete horas o café estava pronto, e a frigideira preparada para fritar as costeletas.
Jim nunca chegava atrasado. Della dobrou a corrente em sua mão e se sentou no canto da mesa, perto da porta por onde ele sempre entrava. Então, ouviu seus passos na escada e, por um momento, ficou pálida. Sussurrou: “Por favor, Deus, faça com que ele ainda me ache bonita”.
A porta se abriu e Jim entrou e fechou-a. Parecia abatido e muito sério. Pobre sujeito, tinha apenas vinte e dois anos — e estava carregando o peso de uma família! Precisava de um novo capote e estava sem luvas.Jim parou junto à porta, imóvel. Seus olhos estavam fixados em Della, e havia neles uma expressão que ela não conseguia interpretar, e isso a aterrorizava. Não era raiva, nem surpresa,  em censura, nem horror, nem nenhum dos sentimentos para os quais ela estava preparada. Ele simplesmente olhava para ela fixamente com aquela expressão particular em seu rosto. Della foi até ele.
“Jim, querido”, gritou, “não me olhe desse jeito. Cortei meu cabelo e vendi-o porque eu não podia passar o Natal sem lhe dar um presente. Crescerá de novo — você não se importa, não é? Tive de fazer isso. Meu cabelo cresce incrivelmente rápido. Diga “Feliz Natal!”, Jim, e vamos ficar contentes. Você não sabe que belo, que bonito, que belo presente eu tenho para você”.
[III]
“Você cortou o cabelo?”, perguntou Jim, a duras penas, como se só tivesse chegado a compreender aquilo depois do mais duro trabalho mental.
“Cortei e vendi”, disse Della. “Você gosta de mim assim mesmo, não é? Sou eu mesma, sem meu cabelo, não é verdade?”
Jim olhou o quarto com curiosidade.
“Você disse que seu cabelo foi embora?”, disse, com uma aparência quase de retardado.
“Não precisa procurá-lo”, disse Della. “Foi vendido, já lhe disse. É véspera de Natal. Seja bom comigo como isso foi para você. Talvez se possam contar meus fios de cabelos, mas ninguém poderia contar meu amor por você. Preparo as costeletas, Jim?”
Jim pareceu finalmente acordar. Abraçou sua Della. Tirou um embrulho do capote e o pôs sobre a mesa.“Não se engane a meu respeito, Della”, disse. “Nada poderia fazer eu gostar menos de você”.
Os dedos brancos de Della abriram o embrulho. E então um grito de alegria; e então lágrimas e soluços, e o conforto do marido.
Pois ali estavam Os Pentes — um conjunto de pentes que Della namorara por muito tempo numa vitrine da Broadway. Belos pentes, com a cor certa para usar no belo cabelo desaparecido. Eram pentes caros, ela sabia, que seu coração desejara tanto. E agora eram seus, mas as tranças que eles deveriam adornar tinham sumido.
Mas ela os apertou contra o peito, sorriu, entre lágrimas, e disse: “Meu cabelo cresce tão rápido, Jim!”
E então deu pulos como um gatinho e gritou: “Oh, oh!” Jim não tinha visto ainda seu presente. Ela o estendeu em sua mão.
“Não é uma beleza, Jim? Vasculhei a cidade toda para encontrá-lo. Dê-me seu relógio. Quero ver como fica com ele”.Ao invés de obedecer, Jim caiu na poltrona, pôs as mãos atrás
da cabeça e sorriu.
“Della”, disse, “vamos deixar nossos presentes de Natal de lado e guardá-los por ora. São belos demais para usar como meros presentes. Vendi o relógio para conseguir dinheiro para comprar os pentes. Agora, que tal preparar as costeletas?”
Os reis magos, como vocês sabem, eram homens sábios que trouxeram presentes ao Menino na manjedoura. Inventaram a arte de dar presentes de Natal. Sendo sábios, seus presentes sem dúvida eram sábios. E aqui eu relatei a vocês a história de duas crianças tolas num pequeno apartamento que insensatamente sacrificaram, uma pela outra, os maiores tesouros de sua casa. Todos os que dão presentes assim estão entre os mais sábios. Todos que dão e recebem presentes como estes são os mais sábios. Seja onde for, são os mais sábios. Eles são os reis magos.

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1 Reis Magos:três sábios do Oriente que viajam para prestar homenagem a Jesus Cristo, em seu nascimento, levando-lhe presentes.
2 Pennies: plural de penny, unidade de moeda em uso nos Estados Unidos.
3 Frisar: encrespar, fazer que fique ondulado.

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    Resumo do conto

O conto Presente de Reis Magos relata a história de um casal muito pobre, mas que se amam muito. Era véspera de natal, e um dólar e oitenta e sete centavos eram tudo que Della havia conseguido juntar após suas economias, a mesma não sabia como presenteá-lo com algo que fosse bonito, e digno da honra de seu amado. Seus únicos pertences do qual realmente se orgulhavam, era o cabelo de Della que chegava abaixo de seus joelhos e o relógio de ouro que havia sido do pai e do avô de Jim. Depois de hesitar um pouco, Della finalmente criou coragem de sacrificar um de seus maiores bens para comprar algo que fosse do agrado de seu marido. Após cortar seu cabelo, ela fica com receio de que ele não goste do que ela fizera. Logo depois, foi em busca do presente de seu amado, e após uma longa busca, achou uma corrente de platina, como se tivesse feita especialmente para Jim, digna do relógio do mesmo. Jim ficou sem reação ao chegar em casa e se deparar com Della com o cabelo curto, mas o que Della não sabia era que Jim havia vendido seu relógio para comprar os pentes que ela namorava há tempos.  Aqueles presentes havia sido inútil para o momento, mais o que realmente importava era a intenção, e o valor emocional de cada um.

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Curiosidades

Em Presentes de Reis Magos o autor cita no final os três reis magos que na  tradição cristã, são personagens que teriam visitado Jesus, trazendo-lhe presentes no dia de seu nascimento ou seja o natal. Daí veio o tal costume de dar se presentes uns aos outros nessa data.